Paulo Nascentes
Dentro do meu coração o alarme toca,
meu instinto de bombeiro acende, alerta,
os sentidos treinados. O que me provoca
este grito, morto na garganta? Na certa,
o desmoronar de algo no meu peito.
Presente divino à minha irmã chegado,
minha amada sobrinha tinha luz no riso!
Mãe e filha, amigas, cultivavam o respeito,
o carinho, o amor, o diálogo sensato,
mas o que agora sinto... me põe de sobreaviso.
Incêndio de paixões, inundação, desastre,
deslizamento de emoções, desabamento,
o que me impele à ação? Antes que o fogo alastre,
antes que a casa caia e venha o ferimento,
é preciso devolver felicidade a elas,
deixar o sol entrar, escancarar janelas,
permitir desabrochar novo contentamento.
Tento dormir, mas o grito de socorro
atravessa os estados, chega até Brasília.
Dentro de mim a lama desce o morro
como se soterrasse o brilho de uma filha
que deixasse escapar a boia que lhe atiro.
Mesmo um bombeiro calejado
respeita o livre arbítrio e só atua
se o chamado vier - mas se não vem,
sono adiado, alerta, a prontidão continua.
Mesmo sem dormir, sonha sonho delicado:
tem nos braços, a salvo de si mesma,
a menina que um dia viu neném.
O cansaço, o sono e uma luz: vê no rescaldo, acesa,
a centelha divina, fogo já domado, de volta à alma
e num milagre, eis o resgate da delicadeza!