PaPos Nascentes - poéticos, psicoterapia, mentoria

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

COMUNICAÇÃO, IDIOMA E CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA

Paulo Nascentes*

“Minha pátria é minha língua. / E eu não tenho pátria, tenho mátria e quero frátria”. Caetano Veloso. Língua.

“Precisamos ter paciência com o ser humano. Ele não está pronto ainda. Tem muito a aprender. Em relação ao tempo cósmico, possui menos de um minuto de vida. Mas, com ele, a evolução deu um salto extraordinário: de inconsciente se fez consciente. E com a consciência pode decidir que destino quer para si.”
Leonardo Boff.

            Algumas ligações entre comunicação, idioma e consciência planetária parecem muito óbvias. Mesmo assim, merecem olhar mais atento. A maneira como expressiva parcela se conduz em relação ao tema revela falta de informação, de bom senso, preconceito e até boa dose de fatalismo conformista. E isto independe de preparo intelectual, sobretudo quando este se dá dentro de caixas de pensamentos e linhas de raciocínio pré-formatadas, como são os paradigmas de investigação do chamado mundo real, concreto e objetivo. Aliás, a Mecânica Quântica e as ciências da consciência, como a Psicologia Transpessoal, vêm mostrando a determinante interferência do sujeito na construção desse real, de resto menos concreto do que se supunha. É como se tentássemos convencer uma crisálida, em plena metamorfose, esquecida da antiga condição de lagarta, de que ela está prestes a voar e conhecer a amplitude de novos horizontes. Nada fácil. Ora, o mundo passa por metamorfose veloz e irreversível. Grande parcela, porém, se arrasta ainda na mesmice do saber pré-formatado e até zomba, incrédula, das asas multicoloridas e dos vôos alheios.

            Consciência planetária teria nascido com as Grandes Navegações, há pouco mais de quinhentos anos? Decorreria de viagens interplanetárias, da comunicação em tempo real, do desvanecimento de fronteiras entre povos, nações, países? Teria vindo para ficar? Seria apenas modismo?

O aumento da consciência planetária poderá gerar mecanismos mais eficazes de exercício da cidadania planetária? Se este for o caso, a comunicação entre indivíduos e entre nações deverá se livrar do falso pressuposto de que culturas de nações economicamente mais poderosas sejam superiores e devam, por isto, subjugar as demais. Como conciliar exercício da cidadania planetária e ausência de uma forma de comunicação mundial de fato acessível a todos, democrática e baseada na igualdade de direitos linguísticos para todos os povos e seus cidadãos? Sem acesso pleno ao padrão culto da própria língua pátria, contingentes imensos da população mundial não têm como exercer sequer a cidadania nacional. Que dizer então da cidadania mundial. Como assinala Koïchito Matsuura, diretor geral da Unesco:

“A língua materna é cara a todos nós. Na língua de nossos pais dizemos nossas primeiras palavras e melhor exprimimos nossos pensamentos. Ela é a base sobre a qual cada pessoa desenvolve sua personalidade desde o momento da primeira inspiração, e é o que a mantém durante toda a sua vida. Ela é o recurso para aprender respeito a si mesmo, à sua história e à sua cultura e, principalmente, às outras pessoas e às diferenças entre elas”.

Transitar da língua materna, preservando-a, à língua fraterna, transnacional, livre de ideologias e interesses de grupos de nações, deve ser direito de todo cidadão do mundo. A Unesco, já por duas vezes, em Assembleia Geral, recomendou o ensino de esperanto como segunda língua de todas as nações – em 1954, em Montevidéu, e em 1985, em Sofia, Bulgária. Segundo modelo apresentado de verdadeira justiça linguística, cada indivíduo tem direito ao pleno domínio da sua língua étnica ou tribal, por menor que seja, da sua língua nacional e de uma língua internacional. Esse ideal de justiça e preservação da diversidade cultural e idiomática tende a encontrar sintonia no coração de cada cidadão atento à consciência planetária, ao defender o princípio: para cada povo sua língua, e para todos os povos o esperanto. Sempre é bom lembrar que o esperanto não objetiva substituir as línguas nacionais e locais, não quer ser língua única, mas sim segunda língua de todos. Portanto, nada tem a ver com o imperialismo linguístico exacerbado hoje, mas reinante de longa data, ao sabor da sucessão dos impérios.

Poderia estar se esgotando o paradigma, até aqui dominante, da alternância de uma dada língua nacional alçada ao papel de língua internacional? Haveria indícios de que sim. Mostra a História a transitoriedade do grego, do latim, do francês nesse papel. No momento, o inglês (ou melhor, uma de suas trinta e sete variantes) se impõe a todos, tornando-se mesmo objeto de desejo de gerações mais novas. Como bem acentua o professor Renato Corsetti, psicolinguista na Universidade de Roma:

Erram os meios de comunicação de massa que de tempos em tempos chamam atenção contra a possível eliminação de todas as línguas pelo esperanto. Frequentemente não se trata de erros, porque tais acusações vêm de pessoas e meios de comunicação de países onde se fala uma língua declarada internacional, e que em grande escala responde pelo desaparecimento de línguas e culturas no mundo hoje.

Antes, porém, de apreciarmos os benefícios da implantação do modelo triádico acima mencionado, com o esperanto como língua transnacional, convém aprofundar o exame da questão. Afinal, que mecanismo psicológico faz supor que não exista a chamada barreira dos idiomas na comunicação internacional? Fotografias nos jornais e imagens diárias na televisão escancaram o óbvio, impossível de negar: se mesmo entre diplomatas, gente preparada em seu ofício, existe a necessidade de traduções da “língua de trabalho” (leia-se inglês) para a língua materna de cada um, então como supor que a barreira de idiomas não exista?! Que bela mentira estão a nos impor! Os gastos astronômicos com traduções simultâneas atingem o preço de três vacinas de poliomielite por palavra traduzida, conforme pesquisas de Claude Piron (2002). Enquanto isso, a paralisia infantil continua endêmica em vastas regiões do Planeta. A paralisia diante de quadro tão dantesco é que é de estarrecer. Em termos concretos, isso significa que nas reuniões e assembléias das Nações Unidas um brasileiro, um coreano, um finlandês têm que se comunicar em uma das seis línguas de trabalho de países que representariam uma espécie de elite econômica e/ou bélica. Quem desconhece os famosos e eloquentes fones de ouvido enfeitando as cabeças dos que dirigem os nossos destinos...?


            Quem frequenta eventos internacionais compreende bem o drama profundo da comunicação precária, assentada em modelo desigual e refém de um batalhão de tradutores e intérpretes. Organizações como Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras, Escoteiros, Rotary Internacional, Maçonaria, organizações ambientalistas, econômicas, literárias, de Direitos Humanos tentam resolver o problema da comunicação de diferentes maneiras, mas ainda esbarram na resistência à adoção consensual de solução mais lógica, mais justa, mais simples e eticamente mais correta: usar uma língua internacional neutra. Já existem, porém, grupos de esperanto na Maçonaria, no Rotary, nos Escoteiros, em diversas filosofias e religiões, como a Oomoto, a fé Baha’i, o Espiritismo, o Cristianismo. Tais organizações descobriram vantajoso meio de levar seus ensinamentos a todas as partes do mundo, onde milhões de pessoas, espalhadas em milhares de cidades, compreendem o idioma.

            Cabem ponderações acerca das vantagens do uso do esperanto como segunda língua em contextos de exercício da cidadania planetária, portanto, em situações de encontros, simpósios, conferências, assembleias, eventos de organismos internacionais:

1.     Protege línguas e culturas, mesmo minoritárias, da ação predatória dos idiomas dominantes. A mentalidade preservacionista em relação aos recursos naturais e de proteção à biodiversidade, ainda que recente, ganha força na sociedade e tem como aliada a educação das novas gerações. A imprensa abre espaços para essa reflexão, e revistas especializadas divulgam trabalhos dos estudiosos do tema, que adquire crescente prestígio cultural. O correspondente a essa atitude na esfera da preservação da diversidade cultural, no entanto, está longe de alcançar igual destaque na pauta das prioridades sociais e muito menos políticas, ainda que o tema do multiculturalismo ganhe espaço nas pesquisas das universidades.

2.     A Faculdade de Pedagogia da Universidade de Paderborn aponta o valor propedêutico do esperanto, facilitando o aprendizado dos demais idiomas. Os experimentos pedagógicos realizados com turmas de alunos com diferentes línguas maternas que aprenderam esperanto antes de estudarem outra língua estrangeira, em contraste com os grupos de controle que apenas estudaram línguas estrangeiras, evidenciaram os efeitos propedêuticos do ensino do esperanto, reduzindo-se o tempo de aprendizagem de línguas estrangeiras para os alunos do primeiro grupo. A pesquisa tem sido replicada em outros contextos por outras universidades.

3.     Como língua fonética e gramaticalmente regular, seu aprendizado se dá em menor tempo, se comparado ao das línguas étnicas. O que se percebe é que a regularidade das estruturas linguísticas do esperanto encontra sintonia na intuição linguística do falante, conferindo-lhe maior segurança no uso. O intervalo entre a aprendizagem e o uso tende a ser menor, uma vez que o novo usuário do esperanto cedo aprende a confiar no mecanismo da “assimilação generalizadora”, descrito por Piron (2002), segundo a qual fazemos generalizações a partir das amostras frasais que nos são apresentadas desde a fase inicial da aquisição da primeira língua.

4.     Funciona como língua-ponte de toda a cultura mundial. Se ficarmos apenas com a literatura, o teatro, as canções, é fácil constatar o trabalho gigantesco de tradução ao esperanto, ao longo de pouco mais de 120 anos, das mais importantes peças do acervo cultural dos diferentes povos. Em cada país, centenas de falantes do esperanto dedicam-se a essa atividade e disponibilizam a produção literária e cultural aos demais povos dessa forma. Mas, não se trata apenas de traduções, já que muitos produzem originais diretamente em esperanto, buscando um público diversificado e que se reúne aos milhares a cada ano em um país diferente em congressos mundiais ou locais. Na área da produção científica e tecnológica cresce o número de artigos em esperanto, muitos deles publicados em periódicos e revistas especializadas de prestígio ou na enciclopédia virtual Wikipédia. Nesse último caso, leitor atento, leitora paciente, vamos ao item final.

5.     O casamento esperanto + internet altera o paradigma da comunicação verbal em nível mundial. O uso do presente do indicativo (altera), com duração do agora até o não se sabe quando, não vem de graça. Não dá para prever – ou mesmo para ver, em alguns casos – como e com que velocidade uma mudança paradigmática emerge dos mares do inconsciente coletivo ao navegar da coletividade de internautas em seus momentos de solidão compartilhada no mundo virtual. O que vem mudando na comunicação internacional via twitter, redes sociais, páginas de relacionamento? Se essas águas estivessem assim tão paradas, então por que até mesmo marqueteiros de políticos estariam se valendo desses canais e dessas estratégias na promoção de seus candidatos? Por que a vitoriosa Wikipédia se tornou mecanismo de busca preferido de tantos internautas, ela que tem no esperanto uma das línguas com maior número de artigos? Comunicação, esperanto e consciência planetária têm, sim, tudo a ver.


Referências:
PIRON, Claude. O Desafio das línguas: da má gestão ao bom senso; trad. Ismael Mattos Andrade Ávia. Campinas, SP: Pontes; Brasília, DF: BEL, 2002.
http://www.worldlingo.com/ma/enwiki/en/Propaedeutic_value_of_Esperanto


* Professor de Esperanto na Interfoco Escola de Extensão/UnB e na Cooplem Idiomas

terça-feira, 17 de agosto de 2010

MANIFESTO DE PRAGA

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_de_Praga

MUITO MAIS QUE UM PERFIL





Paulo Nascentes

O episódio merece profunda reflexão. Alguma lição sempre vem, tanto melhor. Para isso faíscam os episódios. Com a meteorologia do inusitado, as chuvas de verão trazendo uma aflição dentro do peito, a esperança do sol de primavera precisa ser acessada na meditação respirada e atenta. Orelha-em-pé, felino aceso que finge dormir, salto e adrenalina ligados. Ainda assim, susto, surpresa, perplexidade, ataque súbito de ciúme, aspereza na voz e a espada aguda da ironia podem chegar de tocaia, tarde da noite, nos caminhos íngremes da convivência a dois. Respirar consciente é preciso. Viver não é preciso. Navegar é preciso. E perigoso.

O episódio conta de um internauta sessentão, blogueiro recém-saído das fraldas da navegação assistida pelo tópico ‘Ajuda’, jogado de repente sobre o tatame da incerteza, derrubado pelo perfil incompleto de pouco mais de três linhas e omisso no essencial: a felicidade gostosa dos adultos que se trabalham nas escolas diárias do autoconhecimento, do amor e da gratidão. Cuidando assim de suas águas internas. A identidade das duas crianças, por força da lei, seja preservada. A embirrada menina birrenta e o menino de olhar atônito e embaçado emergiram há pouco de desvãos subconscientes da multidimensionalidade psíquica que somos cada um de nós. Sejam acolhidas essas crianças pelo beijo sagrado dos avós e tios-avós que somos também. Mesmo que não se possa chegar perto da criança ferida no momento mesmo dos trovões e da pirraça. Do frio desértico, da secura, do espernear esbravejado. O mistério de nós mesmos é o doce encanto da vida. E perigoso.

Com a Filosofia Clínica, pelas mãos da fenomenologia, lembrou-se da historicidade de cada um, das peculiares Estruturas de Pensamento, dos diferentes perfis em interseção. O perfil lembra as faces de um cubo, sólido cuja geometria constitutiva impede a visão simultânea de todos os lados, todas as faces, todos os ângulos ao mesmo tempo. Mas, ao mesmo tempo, a vivência nos permite confiar-desconfiando, como dizia a vovó. Tem trapaça de percepção, sim, mas tem também o rearranjo da figura completa em alguma instância do ser-que-sabe. Simples assim, sem iniciais maiúsculas para não levantar suspeitas de misticismo, um senhor sério e venerável, mas que tem andado muito com más companhias, a mistificação a pior delas. Com a Medicina homeopática foi investigar a totalidade sintomática da situação, presente nos sujeitos, na esperança de levantar sintomas raros, estranhos, peculiares, atento à individualidade dos sujeitos. Não se cobrava chegar ao similimum ainda na anamnese ou na primeira consulta. Precisaria checar o repertório de possibilidades, traduzida a linguagem dos impacientes. Sim, a impaciência tinha a espessura da massa de concreto afastando o abstrato das nuvens e dos orvalhos matinais. Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta. Com o Aikido, aguardava até o último instante a chegada do shomen-uchi, golpe da mão em espada de cima para baixo em direção à cabeça, para então decidir-se pelo irimi, o tenkan ou o kaiten, nomes de esquiva e não de iguarias de restaurante japonês. O fundamental era preservar a cabeça, o coração e demais órgãos nobre, de preferência de ambos, em busca do reequilíbrio da energia e da recuperação da união estável, confrontada com o princípio da incerteza dos manuais de física quântica.

Pensando agora na paciência do leitor e da leitora, o autor da crônica tragicômica segue ao epílogo, ao ver os primeiros raios de sol de primavera na trégua do retorno ao leito de tantas alegrias e cumplicidades, de tanta ternura e tesão. A esperança parece convidar, senão ao diálogo, ao menos ao silencioso encontro da transdisciplinaridade aplicada, que o tímido beijo matinal vem propor e reforçar. E assim o projeto de lei segue tramitando na câmara do cardíaco e no senado do centro hara. Aprovado, seguirá à sansão presidencial, nesse caso exercida pelo colegiado do amor e da arte de viver a dois, o decreto irrevogável da sensatez em consonância com a lei cósmica. Mesmo com iniciais minúsculas, como requer a prudência diante da modernidade, por vezes um tanto pernóstica, a lei cósmica se cumpre.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SOBREVIDA


Paulo Nascentes
Poesia dispensa apresentação. Por ser poesia, representação. Ou representa ação. Fingimento. Ficção. Espécie gozada de gozador, o poema goza o tempo todo com a cara de quem não goza. A vida, por exemplo. O amor. Mesmo a dor às vezes é tão gozada!


Poema se mente ou não mente é ente, antes sêmen que somente seminário do mesmo e do vário. Semeia no ovário do nada. Do calvário ao desvario varia a fala da louca poesia. O poema, louco, aceita e nega que de médico poeta e louco quem de nós não tem um pouco? Só louco!


Livro de poemas, outra história. Desce a deusa do olimpo e suja as mãos de diva no divisível, no numerário, na despesa, no fragmentário da dívida e da dúvida. Publica? Não publica? Faz-se tímida ou pública e notória? Nas manhas do negócio, tantas vezes tão simplória, sorriso amarelo, vestidinho de chita. Quando não lacinho nas trancinhas sob o chapéu de palha.


Mas um dia, mais livre, o livro. E aí é um deus-me-livre! Cada palavrão falando grego: prefácio, ficha catalográfica, prolegômenos, posfácio e facsímile. Isso gasta o latim! Enfim, pra concluir, por onde ir na tal temática o poeta, que em matemática nunca foi bom? Achou então que a boa temática seria dar voz à própria poesia para falar de si mesma. E veio a idéia: metapoesia. Mas isso é música antiga. Pois então, música arcana.


Nasce assim este objetivo. Este fim, esta meta. META: POESIA EM MUSICARCANA.
Visita ao Museu Esperanto em Viena
abril de 2006

domingo, 15 de agosto de 2010

ME PASSA A ESCRITURA!

Paulo Nascentes

         Autômato irritado, meu sono ausente exige escritura de texto e cartório. Incapaz de desligar-se, o computador que me desligaria tem avariado seu comutador. Com muita dor passa vermelho entre os poros o texto ardente maldormido, cansado e aceso, pesado e agudo.

         Como tamanho cansaço não se desliga e me fustiga? Como as imagens, as idéias, os conceitos, soldadinhos-de-chumbo de desenho animado, marcham e contramarcham em desfile de parada, que é onde nunca param? Como minhas mãos e minhas partes assim se partem em desespero e fúria? Como essas ventanias que me habitam sopram calor e fogo e fúria e frio e fogo e fatos e fotos e fofocas infindáveis em meus ouvidos quase surdos? Como brisas tão sutis revelam súbito faces tão frenéticas, infrenes e insones? Quando e como, se é que enfim, o texto que se desfia e me desafia vai ter seu fim? Só muita escrita, muita escritura, muita fratura me silencia?

         A paz dos poros almeja rosas nesses vermelhos, deseja prosas com poesia de entremeio, requer nas linhas toscas e tortas as entrelinhas que me estrangulam gritos, grotas e grutas. A paz vem grata, greta sem garbo, humilde e mansa. O programa avança suas rotinas, já quase alcança minhas retinas, onde ainda dança alguma neblina.

         Ao menos nevoeiro, vou cego e canso de tropeçar no que sempre esteve onde sempre está: aquele lá que é sempre aqui onde nunca se está quando aqui se está! Só quando escrevo, já menos escravo, algum feixe de luz se faz corrente e sente que a paz estou, no que restou de mim. E assim-assim, vai se afrouxando o nó da garganta e das cordas vocais. Já o nó é laço e o desfaço fácil, fácil. Brota na rota ligeiro sorriso, quem sabe idiota, mas frouxo e liso, como é preciso.

         Como é preciso esse escrever-me, que o esquivar-me e que vai me gastando e desgastando, governando e desgovernando, comovendo ou como ouvindo. Ou indo. Ou, findo, o texto se espraia como vaga expressão que já foi onda e agora afaga e acolhe o sono, que enfim disse que veio. Vou nesse meio, vou nesse enleio, antes que de novo o sono me esqueça. Antes que eu amanheça, antes que cambaleante eu reapareça autômato irritado incapaz de desligar-se.

         Agora, um gole dágua, um xixi, uma descarga e durmo!

TAMBÉM FINJO/ ANKAŬ MI ŜAJNIGAS

Paulo Nascentes

Enquanto me escrevo me destruo partes indizíveis
reconstruo aquelas em segredo
que porque não digo escancaro e criptografo
num mesmo movimento.

Um pouco antes, ágrafo. Durante e então, enxurrada.
Logo depois, liberto escravo...

Escravo do que escrevo, liberto do que oprimia,
desperto e agora me atrevo
a não dizer o que escondia...
**********
Dum mi min priverkas nedireblaĵojn detruas  
kaŝe rekonstruas 
kiujn, ĉar mi ne diras, malfermegas kriptografe
en nura sama movo.

Iom antaŭe, neniu grafio. Dŭme kaj tiam, torenta akvo.
Tuj poste, liberigita sklavo...

Sklavo de mia verkaĵo, libera de kio min premis,
vekiĝinta mi nun aŭdacas
ne diri tion, kiun kaŝadis...

FLUIDEZ

Paulo Nascentes

Sem esforço idéias desfilam nuas
de palavras sempre esquivas: pugilistas grogues.
Sem esforço idéias grogues desfilam conexões ímpares
na página apaixonada.
Sem esforço palavras ímpares e grogues
apaixonam-se por seus pares
e faíscam nuas poesias bêbadas de luz e de esgoto: treva e trovão.
Sem esforço um poema fede
sob o zinco subnutrido do barraco lírico e etílico
das orgias governamentais.
Sem esforço parlamentares acariciam propinas
no silêncio corrupto.
Sem esforço o poema finge fluir
e engasga a leitura fácil e sem esforço
dos acomodados.
Sem esforço o esforço se disfarça
e diz:
- Farsa!  

CICLO/ CIKLO

❤️
A vida em mim nasce e morre
numa inconstante corrida:
não sei se sou eu quem corre
enquanto em mim corre a vida.
Não sei se sou eu quem morre
em cada pessoa morrida,
não sei que líquido escorre
e me nutre – água da vida?
Não sei que partícula dança
quando, luz, me fiz criança
e entrei no tempo e no espaço.
Não sei que onda me leva,
se sou luz mesmo na treva
quando, esperança, renasço.

***********

Naskiĝas kaj mortas vivo
dum nekonstanta kurado:
ĉu mi kuras mi ne scias
dum kuras ja mia vivo.
Ĉu estas mi kiu mortas
tra ĉiu homo mortanta,
ĉu tiu likv' skuanta
min nutras – akvo de viv'
Ĉu iu partiklo dancas
kiam, lum', mi infaniĝis
tempo-spacon enirinte.
Kiu ond' irigas min?
tiu lum' eĉ dum mallum'
espero renaskiĝinta?

MULTIUNO

Paulo Nascentes
No verso da cartografia
a grafia da carta
de navegação:
o reverso da negação do medo,
o contato pleno com o perverso 
e o sereno,
que acolho ao me saber
            disperso,
que acolho profundo
ao me saber vário
e uno!
**************

En la verso de l' kartografi'
la grafi da carta
de navegação:
o reverso da negação do medo,
o contato pleno com o perverso 
e o sereno,
que acolho ao me saber
            disperso,
que acolho profundo
ao me saber vário
e uno!