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terça-feira, 17 de maio de 2016

EU AB-SURDO / MI AB-SURDA

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EU AB-SURDO
Eu, professor, que já nem sei o que professar,
eu, amante estéril da filosofia, leitor voraz,
que, por mais que Kant, possivelmente desafino
na crítica da des-razão pura, na acrítica
razão prática de toda a metafísica do mundo,
incapaz de descrever o olhar estupefato
da criança atônita que perdeu pais e irmãos
soterrados pela lama que desce dos corredores infectos
do congresso nacional serra de teresópolis abaixo,
soterrando boneca de pano sonhos e carrinhos de rolimã
encosta abaixo.

Eu, tradutor profissional, incapaz de traduzir a alma
do texto escrito em água furiosa, barrenta e leptospirose,
que me invade o barraco enquanto durmo. O estilo
me sufoca, tão impermeável à tradução como o asfalto,
o cimento, os bueiros entupidos e estúpidos
de que as águas agressivas da amorosidade do solo,
absorventes, se divorciam. E buscam o divã perplexo
da psicóloga deprimida na busca sôfrega
do diazepam de uma palavra... que não virá.

Eu, infectologista, numa sociedade ela mesma infectada
pelo desamor, ironizando meus compêndios e meus achaques.

Eu, homeopata das incertezas diluídas com o pé
d’água ameaçador que se veste de nuvem negra
e temporal medonho triturado pelos fármacos
das multinacionais das químicas sintéticas
a zombarem das aguinhas e glóbulos que não dispenso
e então dispenso ao paciente cuja paciência com o tratamento
há muito deslizou feito barranco e barraco morro abaixo.

Eu, filósofo clínico, filósofo cínico, filósofo cômico,
a desfilar verborragias incautas contra ouvidos surdos,
absurdos, ávidos pelas epistemologias que lhes prometem
o conhecer o ser do conhecer; e saber do que o saber é feito;
onde se refugia do argumento o defeito; do conceito
o inconcebível; da lógica mais rigorosa o destempero
voraz de uma coceira diabólica na sua ilogicidade.

Eu, eleitor destrambelhado, que me deixei levar
pela avalanche da demagogia mais deslavada,
e que votei na urna funerária que conduzirá à casa
das centenas o número de mortos e à casa
dos milhares os desabrigados. E na urna eletrônica
que nos dará orgulho entre as nações.

Eu, político impublicável como o palavrão
aqui engolido, administrador da coisa pública,
aliás, pública e impudica, como o-cu-da-mãe-joana!

Eu, prefeitinho de merda, que não tratei o esgoto
a céu aberto, deputado que sonha com o senado
e vota sem pestanejar o aumento
de seus proventos e pras calendas gregas aborta
uns tico-ticos a mais no agonizante salário
mínimo.

Eu, funcionário público de médio escalão,
que tenho licenciado obras nas encostas de morro,
firmes gelatinas de sabor propina, uísque de natal
que me brindou o dono da construtora, ele mesmo
senador travestido de empresário, vampiro temerário,
golpista articulado com setores da injustiça.

Eu, que me mordo de culpa, porque o medicamento
já não alivia os pruridos, sarnas e sarneis, coronéis
dos jornais e das concessões de tevês autoconcedidas,
vermelhidão pruriginosa a sangrar à exaustão
a verba publicitária, a contorcer a verba orçamentária
desviada pras contas suíças dos suínos. E meu
eleitorado, os sobreviventes da tragédia, limpando
o rosto sujo e as escoriações, dizem, entre soluço
e lágrimas, que, graças a deus, deus me levou tudo,
mas me deixou forças pra recomeçar.

Eu, autoridade recém-empossada, ministro ou secretário
de estado, agora com foro privilegiado, lanço a culpa
no meu antecessor (se de outro partido for) e digo
que devemos rezar para que a chuva dê uma trégua.
Depois, já em palácio, entre correligionários e puxa-sacos,
sirvo o Scotch whisky que nos vai lavar a égua. Mesmo com
a vaca indo pro brejo!

Eu, que num sábado de manhã e tarde, desejoso de mandar
que se met-a-física no cu da mãe dessa cambada, acabo
ficando comportado e lendo e comentando e discutindo
o valor da axiologia, o saber superior da epistemologia,
o diabo da dialética, o fenomenal da fenomenologia,
o vazio existencial dos existencialistas, alguns deles
suicidas como os que escalaram o morro em niterói
e lá plantaram seus barracos na terra podre do chorume,
com o beneplácito explícito dos burocratas do departamento
de meio-ambiente da secretaria de obras desmoronáveis
do município onde-o-judas-perdeu-as-botas.

Eu, que mesmo só com duas letras, estou no meio de dEUs
e não o compreendo. Não no formato publicitário
das instituições religiosas. Nem todas as teologias
do mundo e seus alfarrábios rabugentos e empoeirados
pelos séculos dos séculos me explicam tim-tim-por-tim-tim
o porquê da palidez daqueles olhinhos assustados
pela perda da família, mastigando palavras anestesiadas
pela dor e pela impertinência da pergunta do repórter
da tevê, no seu programa calhorda de imprensa marrom
como a lama, que lhe lambe as botas fornecidas
pelos patrocinadores da emissora – a única que entra
em cadeia – mas, logo, logo, a liminar de um luminar
e o habeas corpus de um corpulento juiz relaxam
a prisão.

Eu, que tenho sido chamado de ego, que tenho sido
escorraçado pelas psicologias, que tenho frequentado
egolatrias, egoísmos, egocentrismos, eu, esse poço
de vaidades, esse emaranhado de crenças familiares,
culturais, filosófico-religiosas, eu, que num sábado
manhã e tarde, busco refúgio e consolo
e acolhimento nos textos eruditos de um filósofo,
mesmo que de botequim, que me venha explicar,
ou complicar, as vetustas perguntinhas: quem
sou eu, de onde vim, pra onde vou e, afinal,
que diabo estou fazendo aqui, no meio desse texto,
que não me alisto como voluntário na solidariedade
televisiva, com patrocínio da indústria de tratores,
pás mecânicas e vacinas? Eu, meu caro, minha cara,
eu, para sempre surdo. Eu ab-surdo! surdo! surdos!

"E no entanto é preciso cantar. Mais que nunca é preciso cantar.
É preciso cantar e alegrar a cidade". (Vinicius de Moraes).

***********************

MI AB-SURDA
Mi, profesoro, kiu jam ne scias tion, kion profesi,
mi, senfrukta amanto de filozofio, manĝegema leganto,
kiu ju pli Kant, tutcerte despli min misagordas
en la kritiko de la misracio pura, en la senkritika
racio praktika de ĉia metafiziko de la mondo,
nekapabla priskribi la konsternatan rigardon
de la surprizita infano, kiu perdis gepatrojn kaj gefratojn
subterigitaj de la koto, kiu forfluas de la koridoroj infektaj
de la nacia kongreso monton de Terezopolo malsupren,
subterigante ŝtofopupon revojn kaj lud-aŭteton je rullagro
deklive suben.

Mi, profesia tradukisto, nekapabla traduki la animon
de la teksto verkita de furioza akvo kotoplena leptospirozo,
kiu min invadas la domaĉon dum mi dormas. La stilo
min sufokas, tiom malpermeabla al la traduko, kiom la asfalto,
la cemento, la kloakfaŭko obstrukciita kaj krudaĉa
de kiu la agresemaj akvoj de la sojla amemo,
sorbeme, sin divorcis. Kaj nun ili volas la perpleksan divanon
de la psikologino deprimita dum sufera serĉo
de la diazepamo* de iu vorto... kiu ne venos.

Mi, infektologo, en socio infektata ĝi mem de malamo,
ironiante miajn kompediojn kaj malsanetojn.

Mi, homeopato de la malcertecoj diluitaj de la minacanta diluvo
vestita de nigra nubo kaj terura tempesto pistita de farmakoj
de plurnaciaj entreprenoj kaj sintezaj ĥemiaĵoj
mokantaj pri akvetoj kaj globetoj, kiujn mi ne preterlasas
sed do liberigas al paciento, kies pacienco pri la tratamento
delonge glitis, kia krutaĵo kaj domaĉo monte suben.

Mi, klinika filozofo, cinika filozofo, komedia filozofo,
montrante malprudentajn multvortemegojn kontraŭ surduloj,
absurdaj, avidaj je epistemologioj, kiuj lin promesu
koni la esencon de la kono; kaj scii el kiu konsistas la scio;
kie sin kaŝas de argumento la difekto; de koncepto
la malkocepteblo; de la logiko plej rigora la subita kaprico
vorema de diabla juko kaj ĝia mallogikeco.

Mi, freneza balotanto, kiu min lasis konduki de la lavango
de la demagogio plej mallavita
kaj voĉdonis per la funebra urno, kiu kondukos al centoj
la nombron de mortintoj, al miloj tiun de senloĝejuloj.
Kaj per la elektronika urno, kiu nin plenigos de orgojlo
inter la nacioj.

Mi, nepublikigebla politikisto, kia la fivorto
ĉi tie englutita, mastrumanto de la publika afero,
plibone, publika kaj seks-hontema, kia anuso-de-panjo-johanino**!

Mi, urbestreto de merdo, kiu ne zorgis pri la subĉiela kloako,
deputito, kiu sonĝas pri la senatejo,
kaj senhezite voĉdonas la plialtigon de siaj rentoj
sed prokastine abortigas pliajn groŝojn
favore al la agoniante minimuma salajro.

Mi, publika funkciulo de mezgrada rango,
kiu licenciadas vorkojn sur deklivoj de montetoj,
firmaj gelatenoj gustantaj trink-monon, viskio kristnaska,
kiun min donacis la posedanto de konstrua entrepreno, li mem
senatano travestita de entreprenisto, kuraĝega vampiro,
puĉisto koluziita kun sektoroj de maljustico.

Mi, kiu min mordas pro kulpo, ĉar la medikamento
ne plu mildigas la jukojn, akarozojn kaj sarnejojn,*** koloneloj
de gazetaro kaj de koncesioj de televidkanaloj memkoncesiitaj,
haŭt-ruĝego jukema ĝislima sangado
de la publiciaj mon-sumoj kaj tordigoj de la buĝetaj mon-sumoj
misvojitaj al la svisaj kontoj de fuŝuloj. Kaj mia
voĉdonantaro, la travivantoj de la tragedio, lavante
la malpuran vangon kaj kontuzojn, diras ke, meze al singulto
kaj larmoj, dank’al dio, dio min forigis el ĉio,
sed lasis al mi fortojn por rekomenci.

Mi, aŭtoritatulo ĵus-enpostenigita, ministro aŭ sekretario
de ŝtato, nun kun privilegia tribunalinstanco, kulpigas
mian antaŭulon (se de alia partio) kaj diras,
ke ni devas preĝi por ke la pluvo milit-paŭzu.
Poste, mi, jam en palaco, inter fi-samideanoj kaj flataĉuloj,
servadas la Skotan viskion, kiu nin lavos la ĉevalinon.**** Eĉ se
la bovino iros al la marĉo!*****

Mi, kiu sabate matene kaj vespere, dezirante ordoni,
ke oni met-a-fiziku en la patrinan pug-truon de tiu fiaĉularo, ĵus
iĝis bonkonduta kaj leganta kaj komentanta kaj diskutanta
la valoron de aksiologio, la superan saĝon de epistemologio,
la diablon de dialetiko, la fenomenan fenomenologion,
la ekzistan sencelo de ekzististadismuloj, kelkaj el kiuj
memmortigistoj, kiaj la grimpantoj de iu monto en Niterojo,
kiuj tie plantadis siajn domaĉojn sur la putrefakta sterk-tero,
kun la eksplicita konsento de burokratoj de la departemento
de medi-protektado de la sekretario de vorkoj ruinigeblaj
de la komunumo kie-Ĵudaso-perdis-la-botojn.******

Mi (io), kiu eĉ nur per du literoj, staras meze de dIOj
sed ne ŝ/lin komprenas. Ne laŭ la publicia formato
de religiaj institucioj. Eĉ ne ĉiuj teologioj
en la mondo kaj malnovaj libraĉoj grumblemaj kaj polvo-kovritaj
pro la jarcentoj de jarcentoj min ekspliku tintin’-post-tintine
la kialon de la paleco de tiuj konfuzitaj infanokuletoj
pro la perdo de la familio, maĉante anesteziitajn vortojn
de la doloro kaj impertinenco de raportistaj demandoj
de TV, dum kanajla programo de bruna figazetaro,
kia la koto, kiu lin lekas la botojn donacitaj
de sponsoroj de la TV-kanalo – la sola, kiu katene eniras
en reton – sed, tuj, tuj, la limino-dokumento de luminulo
kaj la habeas-korpuso de korpulenta juĝisto nuligas
la areston.

Mi, kiu estadis nomumita kiel egoon, kiu estadis
forigita de psicologioj, kiu frekventadis
egolatriojn, egoismojn, egocentrismojn, mi, tiu puto
de vantecoj, tiu embarasego de familiaj,
kulturaj, filozofiaj-religiaj kredoj, mi, kiu sabate
matene kaj vespere, serĉas rifuĝon kaj konsolon
kaj akcepton en la erudiciaj tekstoj de filozofo,
eĉ se de drinkejo, kiu min venu ekspliki
aŭ kompliki la antikvajn demandetojn: kiu
estas mi, el kie mi venis, kien mi iros kaj, finfine,
kion diable mi faras ĉi tie, meze al tiu teksto,
ke mi ne aliĝu kiel volontulo de la televida
solidareco sponsorata de la industrio de fosaj veturiloj,
meĥanikaj ŝoveliloj kaj vacinoj? Mi, karulo, karulino,
mi, por ĉiame surda. Mi ab-surda! surda! surdaj!

"Tamen oni bezonas ja kanti./ Pli ol neniam bezonas kanti./
Bezonas kante ĝojigi l' urbon". (Vinicius de Moraes, brazila komponisto).

Notetoj:
* Farmako de la familio de benzodiazepinikoj, heterocíkliko, kristalina pulvoro uzata kiel ansiolitiko, antikonvulsiviga, moskola rilaksiga kaj kvietiga medikamento.
**  Loko kie ajna persono miksas, malordigo. 
*** Brazila senatano, eks-prezidento de Respubliko, tutpova interlanda 'kolonelo'. 
**** Esprimo uzata kiam iu havas grandan venkon, avantagxon kaj profito.
***** Esprimo signifanta, ke io fiaskis, io ne planata okazis.
****** Esprimo uzata por indiki distaj, foraj lokoj.

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