domingo, 15 de agosto de 2010

ME PASSA A ESCRITURA!

Paulo Nascentes

         Autômato irritado, meu sono ausente exige escritura de texto e cartório. Incapaz de desligar-se, o computador que me desligaria tem avariado seu comutador. Com muita dor passa vermelho entre os poros o texto ardente maldormido, cansado e aceso, pesado e agudo.

         Como tamanho cansaço não se desliga e me fustiga? Como as imagens, as idéias, os conceitos, soldadinhos-de-chumbo de desenho animado, marcham e contramarcham em desfile de parada, que é onde nunca param? Como minhas mãos e minhas partes assim se partem em desespero e fúria? Como essas ventanias que me habitam sopram calor e fogo e fúria e frio e fogo e fatos e fotos e fofocas infindáveis em meus ouvidos quase surdos? Como brisas tão sutis revelam súbito faces tão frenéticas, infrenes e insones? Quando e como, se é que enfim, o texto que se desfia e me desafia vai ter seu fim? Só muita escrita, muita escritura, muita fratura me silencia?

         A paz dos poros almeja rosas nesses vermelhos, deseja prosas com poesia de entremeio, requer nas linhas toscas e tortas as entrelinhas que me estrangulam gritos, grotas e grutas. A paz vem grata, greta sem garbo, humilde e mansa. O programa avança suas rotinas, já quase alcança minhas retinas, onde ainda dança alguma neblina.

         Ao menos nevoeiro, vou cego e canso de tropeçar no que sempre esteve onde sempre está: aquele lá que é sempre aqui onde nunca se está quando aqui se está! Só quando escrevo, já menos escravo, algum feixe de luz se faz corrente e sente que a paz estou, no que restou de mim. E assim-assim, vai se afrouxando o nó da garganta e das cordas vocais. Já o nó é laço e o desfaço fácil, fácil. Brota na rota ligeiro sorriso, quem sabe idiota, mas frouxo e liso, como é preciso.

         Como é preciso esse escrever-me, que o esquivar-me e que vai me gastando e desgastando, governando e desgovernando, comovendo ou como ouvindo. Ou indo. Ou, findo, o texto se espraia como vaga expressão que já foi onda e agora afaga e acolhe o sono, que enfim disse que veio. Vou nesse meio, vou nesse enleio, antes que de novo o sono me esqueça. Antes que eu amanheça, antes que cambaleante eu reapareça autômato irritado incapaz de desligar-se.

         Agora, um gole dágua, um xixi, uma descarga e durmo!

6 Comentários:

Às 18 de agosto de 2010 às 15:42 , Anonymous Anônimo disse...

incrível facilidade de "jogar" e "brincar" com as palavras. Você engoliu um dicionário ou, quando criança tomou muita sopa de letras?

 
Às 19 de agosto de 2010 às 10:18 , Blogger PaPos Nascentes: Paulo P Nascentes disse...

Em 'Definição', mais propriamente em 'Pragmatismo Poético', um ensaio de resposta. E sopa de letras, bem nutritiva, além de gostosa!

 
Às 10 de novembro de 2010 às 12:25 , Anonymous Fanti Renato disse...

Pedro, mi atendas viaj tekstoj anksie! Gratulon per via arto

 
Às 30 de novembro de 2010 às 21:56 , Blogger Adonis Saliba disse...

Muito lindo o que você escreve. Escreve pra gente lamber os beiços. Que coisa gostosa a curva das frases, em um gincado delicioso entre um verbo aqui e outro acolá. São palavras que nos levam às palavras, que de sem sentido e despencadas do céu, fazem um sentido só, o sentido de prazer, de ler, de curtir e deleitar o regaço gostoso que embala um final de dia. Continue assim, meu menino, molecão das letras, contorcionista das frases.

 
Às 3 de setembro de 2011 às 15:35 , Anonymous Pnascentes disse...

Quase ano depois o comentário agradecido aqui se faz lido, timidez lançada ao solo. Grato pelo proporcionado desfrute do imerecido elogio. Axé, companheiro.
Pnascentes
Molecão das letras, contorcionista das frases

 
Às 27 de julho de 2013 às 09:21 , Blogger Blogdopaulo disse...

Bonege, kara! Ankau brila, originala verkanto de kronikajhoj. Chu ghi aperos ankau en Esperanto? Mi intencas rekomendi vian blogon en la proksima "Rio Esperantista"!

 

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